Autora do livro “Previdência Rural, Inclusão Social”, a advogada Jane Lucia Wilhelm Berwanger, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) avalia que a Reforma da Previdência poderá levar ao Judiciário novas questões além das batalhas que já são travadas nesta esfera. Para ela, as novas regras poderão reduzir a cobertura de idosos, principalmente daqueles que não terão condição de contribuir por 25 anos. “Hoje, com (a exigência dos) 15 anos de contribuição, muitos já chegam à idade de 60/65 anos sem conseguir esse tempo mínimo”, afirma. Vários pontos que ela aponta como negativos na reforma foram revistos, depois desta entrevista. Mas tanto a idade mínima quanto a contribuição por 25 anos do trabalhador rural, que ela classifica de retrocesso, foram mantidas. O agricultor familiar terá de contribuir por menos tempo, 15 anos, com idade mínima inferior, mas o governo manteve a contribuição obrigatória que Jane critica.

Agência NossaQuais são hoje as principais questões da Previdência tratadas na esfera judicial? Por que uma expressiva parcela da população em idade adequada ainda não consegue se aposentar?

Jane Berwanger: Há questões de toda ordem. Infelizmente, o INSS ainda indefere muitos benefícios. Mas os maiores índices (de indeferimentos) ficam por conta dos benefícios por incapacidade (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez) e aposentadorias rurais. Muitas pessoas não conseguem se aposentar porque o INSS não reconhece a atividade rural ou, no caso dos urbanos, porque as empresas não recolheram contribuições dos empregados.

Esta guerra judicial pode piorar com a reforma prevista hoje pelo governo?

Com a reforma, novas questões serão levadas ao Judiciário, especialmente sobre saber se cada artigo alterado obedeceu à Constituição Federal. Uma emenda constitucional pode ser declarada inconstitucional se fere cláusulas pétreas, que são os direitos e garantias fundamentais.

O potencial desta parcela de excluídos da previdência pode aumentar, quanto?

Pode ser muito grande porque muitas pessoas não preencherão os novos requisitos para a concessão dos benefícios. Se hoje o índice de idosos protegidos chega a 80%, isso tende a se reduzir pela metade em alguns anos se a reforma for aprovada.

E os terceirizados que não conseguem provar vínculo empregatício, o que acontece com eles na hora de se aposentar?

Os terceirizados sofrem porque não têm nem direitos trabalhistas na prática. E se o empregador não assinou a carteira de trabalho, provavelmente não recolheu as contribuições desse empregado. Quando perdem as ações trabalhistas, a situação piora porque nem mesmo conseguem provar que trabalharam.

Pode-se dizer que o agricultor familiar, hoje com sistema diferenciado de contribuição para previdência, vai enfrentar os mesmos problemas que um trabalhador urbano que não consegue comprovar vínculo trabalhista? 

Os problemas serão maiores, porque diversos fatores hoje justificam a contribuição diferenciada dos agricultores familiares. Um deles é que a atividade rural é extremamente vulnerável a questões como intempéries, preços e custo de produção. Já os empregados rurais sofrem pela informalidade

Como vai ser para o trabalhador rural ter que contribuir mensalmente em cidades que não têm agência bancária?

Esse é mais um dilema para os rurais. Como pagar?

Quem paga a conta dos beneficiários por acidentes de trabalho que eram terceirizados? Há dificuldade desses trabalhadores para conseguir receber benefícios por incapacidade de trabalho?

Sim, tem pessoas que vão à Justiça porque o empregador não recolheu as contribuições. Isso dá problema tanto para a aposentadoria por tempo de contribuição como também no auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, embora nesses casos o índice seja menor porque o tempo de contribuição exigido é menor (12 meses) do que na aposentadoria por idade, que é de 180 contribuições.

Quais os impactos da reforma para trabalhadores de baixa renda que atualmente têm direito a benefícios do INSS?

Vejo como problema o fato de passarem a exigir 25 anos de contribuição. Hoje, com 15 anos, muitos já chegam à idade de 60/65 anos sem terem esse tempo mínimo de contribuição.

Qual o princípio legal para as isenções das contribuições? Distinções não travam batalhas judiciais?

Existem sim disputas. As isenções existem para empresas beneficentes na área da saúde, educação e assistência social.

Quais os pontos negativos dessa reforma? E os avanços?*

Os retrocessos são a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres (trabalhadores rurais e urbanos); benefício assistencial aos 70 anos e podendo ser inferior ao salário mínimo e pensão por morte que pode ser inferior a um salário. Acabam as diferenças para categorias como professores e aqueles que exercem atividade especial.

*A entrevista foi feita antes do governo ceder em alguns pontos na reforma entre os quais a redução da idade mínima das mulheres, do BPC; a manutenção do salário mínimo como piso de benefícios e condição diferenciada para professores, policiais e trabalhadores da agricultora familiar.

Texto editado por Claudia Mancini e escrito por Sabrina Lorenzi