Com bom comportamento e tempo mais que suficiente para alcançar liberdade condicional, o técnico em refrigeração Jandson Carlos Santos da Costa, 23, solicitou há um ano o cumprimento do restante da pena em regime aberto. Ele faz parte de um sistema prisional que tem na raiz do problema a superlotação, onde para cada vaga há pelo menos três presos.

O Ministério Público do Amazonas apresentou parecer contrário ao pedido, baseado em um novo crime. A promotoria o considerou preso reincidente e, portanto, não passível de regime aberto. A Justiça seguiu o parecer, negou a solicitação e manteve Jandson Carlos na prisão.

Mas a decisão foi resultado de um erro que tanto o MP quanto a Justiça do Amazonas admitiram à Agência Nossa.

A Vara de Execução Penal de Manaus confundiu Jandson Carlos com seu irmão, Jandeilson Carlos Santos da Costa, 21, acusado de tráfico de drogas. A Vara anexou processo de Jandeilson ao de Jandson, provocando a confusão. Por três letras, o rapaz que roubou um celular está pagando a pena dele e do irmão.

“A similaridade de nomes e a mesma filiação de ambos os apenados induziram à falha processual também por parte do MP”, admitiu o órgão. A Vara de Execução Penal anexou documentos do irmão acusado de crime mais grave ao de Jandson, levando à confusão.

Enquanto se esclarecia onde começava o crime de um e terminava o do outro irmão, Jandson Carlos era considerado ao mesmo tempo preso em uma cadeia e foragido de outra. Num lapso surreal, o processo tem ainda um terceiro nome, fruto da junção das identidades dos dois irmãos. Nem Jandson, nem Jandeilson — tem trecho que o processo chama o detento de Janderson.

Além de absurdo, o caso contribui para inflar as prisões brasileiras, especificamente no Norte do País, onde rebeliões bárbaras em janeiro deste ano expuseram ainda mais o problema da superlotação.

Foto: Luiz Silveira/CNJ

CNJ visita presídio de Roraima onde rebeliões mataram dezenas de presos em janeiro

Seis meses depois dos massacres, o sistema prisional de Manaus continua superlotado, apresentando 90% de presos excedentes. No interior do Estado, o índice passa a inacreditáveis 382%. Em todo o estado do Amazonas, há 3.372 vagas para 9.160 encarcerados.

Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte registraram no final de junho capacidade para 8.058 detentos, mas aprisionavam 18.011. O número de presos excede em 124% o total de vagas, segundo dados levantados por esta reportagem junto aos três estados.

Metas questionadas

Durante sabatina realizada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, em maio, em Genebra, na Suíça, a delegação brasileira, liderada pela ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, informou que a meta do governo brasileiro é reduzir em 10% a população carcerária do País até 2019.

O pronunciamento da ministra aconteceu no terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), mecanismo internacional para avaliar a situação de direitos humanos nos países das Nações Unidas.

Durante a reunião na ONU, foram feitas 17 recomendações sobre o sistema prisional brasileiro, por diversos países. A Alemanha, segundo informação da Conectas, recomendou a ampliação do programa de Audiências de Custódia, com a regulamentação de uma lei federal, e treinamento de juízes e promotores sobre o Protocolo de Istambul, firmado para prevenção e combate à tortura.

Para aliviar as cadeias, as autoridades têm aplicado a lei das cautelares, promovido audiências de custódia e afins, mas num ritmo que ainda não acompanha a velocidade das novas prisões, relatam especialistas com base nos números de superlotação.

Questionado pela reportagem como pretende reduzir em 10% a população carcerária, já que as estatísticas mostram aumento constante do número de presos, o Ministério da Justiça informou que a meta faz parte da Política Nacional de Alternativas Penais, de abril de 2016, criada para estimular penas alternativas e reduzir o encarceramento.

Segundo a assessoria de imprensa do ministério, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) “tem o papel de coordenar ações e projetos junto aos estados, Distrito Federal, órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e demais instituições envolvidas”.

Em artigo, a Conectas afirma que o anúncio de redução do número de presos feito pela delegação brasileira foi visto com ceticismo por parte das organizações da sociedade civil.

“Essa promessa não dialoga com o tamanho dos desafios do sistema prisional. O Brasil prende cerca de 40 mil pessoas por ano, ou seja, quando a ‘meta’ anunciada for cumprida, o país terá prendido outras 120 mil pessoas”, afirmou Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da Conectas, ao site da ONG. “Da maneira como foi apresentado, o compromisso é demagógico. Não há nada que indique como a política atual esteja mudando”, criticou.

Na cadeia de Manaus onde ocorreram as rebeliões, mais da metade dos presos era de provisórios. Amotinados e sem condenação. Para especialistas, a lentidão na Justiça e a falta de agilidade para aplicação de penas alternativas em casos de delitos leves provocam a superlotação que resulta em caos.

Jandson + Jandeilson = Janderson

Jandson Carlos se encaixa em várias destas estatísticas. Ficou na cadeia como preso provisório durante quatro meses. Em seguida foi condenado por ter participado do roubo de um celular.

“O juiz disse na audiência que gostou da sinceridade dele. Ele sempre foi assim, verdadeiro”, conta o pai, José da Costa. Jandson Carlos admitiu o crime ao juiz e mostrou-se arrependido. Sustentado pelo fato de que foi crime sem violência, o juiz deixou Jandson cumprir a pena em regime aberto.

Mas Jandson deixou de comparecer periodicamente ao local estabelecido pela Justiça, foi considerado foragido e capturado perto de casa, em agosto de 2015.

“Foi por uma bobagem, falta de orientação, que ele perdeu a chance de cumprir a pena em liberdade. Ele estava trabalhando, não imaginava que podia ser preso de novo se não assinasse aquele papel”, afirma o advogado, Maurílio Filho.

Desde então, a família luta para tirá-lo da prisão, num vai e vem na vara de Justiça onde está o processo, tentando esclarecer a confusão de nomes.

“Esse tipo de erro não é raro na Justiça”, diz o advogado.

A família não cogita processar o Estado pelo erro. Só pensam na liberdade de Jandson. “Eles não acreditaram na gente; era só ler que podiam ver que eram pessoas diferentes, com nomes diferentes no mesmo processo”, diz a mãe, Cristiane Santos.

O irmão Jandeilson Carlos, preso por tráfico de drogas, estava considerado foragido nos últimos meses mas se apresentou à Justiça no final de junho. Segundo familiares, ele se entregou para livrar o irmão do equívoco no processo.

“Jandeilson ficou com medo de prejudicar o Jandson e se entregou”, conta a mãe.

Procurada, a Vara de Execução Penal da Comarca de Manaus informou que, “de fato, houve equívoco na unificação de processos por tratarem-se de nomes parecidos e mesma filiação”, que o erro foi corrigido.

Faz mais de um mês que o erro foi reconhecido, mas Jandson continua preso.

A Justiça aguarda as certidões da unidade prisional onde ele se encontra para que o juiz possa tomar nova decisão sobre o pedido de liberdade. Agora sabendo que Jandson e Jandeilson são pessoas diferentes. E que Janderson nunca existiu.

Texto e colaboração de Sabrina Lorenzi