Depois de quase 23 anos convivendo com o entra-e-sai de profissionais que iam ao Sindicato dos Jornalistas do Município de Rio de Janeiro para homologar rescisões, a funcionária Eliete Pereira de Mendonça, de 48 anos, viu chegar sua vez de ser demitida. Junto com outros cinco empregados, foi desligada da entidade recentemente. Um ano depois da Reforma Trabalhista,  sindicatos amargam severa crise financeira e demitem trabalhadores em massa.

A Lei 13.467/2017, que reformou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), provocou perdas que superam 80% na arrecadação dos sindicatos, revelam dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A reforma acabou com a obrigatoriedade de contribuição sindical.

“A Reforma Trabalhista não favoreceu os trabalhadores e deu mais força aos patrões. Acredito que os sindicatos deveriam ter feito um trabalho de conscientização melhor anteriormente sobre sua importância. Mas o fato é que agora os trabalhadores estão mais vulneráveis”, afirma Eliete, que é formada em economia e atuava como assessora da presidência do seu sindicato.

De acordo com o MTE, os mais de 16 mil sindicatos registrados no país receberam a título de contribuição sindical R$ 1,98 bilhão em 2017. Em 2018, a arrecadação despencou para R$ 276 milhões até setembro. Para sofrer o desconto agora, o trabalhador precisa informar espontaneamente ao seu empregador seu desejo. Sem a contribuição obrigatória, as entidades tiveram que se contentar com as mensalidades pagas por filiados, que representam uma minoria das categorias.


“Lamentavelmente tivemos que demitir todos os funcionários. Estamos redimensionando a sede e estudamos alugar ou até vender parte do espaço. Por outro lado, estamos em campanha para conseguir novos associados e a retomada dos inadimplentes. É o que nós temos a fazer. É muito difícil recolher nas empresas contribuição dos jornalistas, mesmo após acordo coletivo”, afirma Márcio Leal, diretor de Administração e Finanças do sindicato dos jornalistas cariocas.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revela que 22.442 funcionários de sindicatos perderam o emprego no Brasil entre janeiro e setembro deste ano.

Por outro lado, foram registradas 13.925 contratações, mas que não compensaram as  demissões. O saldo negativo é um corte de 6.517 nas vagas.

“Por enquanto estou vivendo do seguro-desemprego e do saldo do FGTS e espero conseguir um novo emprego no início do ano que vem. A crise econômica não ajuda, mas acredito que com os cursos que estou fazendo apareça uma oportunidade”, afirma Eliete.

A crise também atingiu em cheio entidades consideradas fortes e com grande número de filiados. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo teve que demitir 120 de seus 315 funcionários. Por conta a perda de receita, estão reduzindo atividades assistenciais e reduzindo o número de imóveis. Segundo o presidente, Miguel Torres, um prédio anexo que funcionava como escola teve que ser desativado para possível venda ou aluguel. Os alunos foram realocados no edifício-sede. “Demitir foi uma decisão muito difícil e dolorosa, mas não tivemos outro jeito.

A crise econômica também afetou nossa arrecadação e não há perspectiva de melhora. Felizmente pelo menos estamos conseguindo renovar as garantias e benefícios sociais nos acordos coletivos”, diz Torres.

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) viu sua arrecadação despencar 80% e avalia que todos os sindicatos a ela filiados tiveram que fazer cortes de pessoal. “A entidade reduziu sua agenda de ações, cortou o salário de seus diretores e, dos 30 funcionários contratados, apenas cinco foram mantidos. Agora a UGT está em busca de novas fontes de receita, com o a sublocação de andares da sede ao reajuste de 50% nas mensalidades pagas pelos sindicatos. Estamos desenvolvendo uma campanha de sindicalização junto a nossas bases”, afirma o presidente Ricardo Patah.

A própria Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical do país, está tendo que se adaptar às mudanças. A entidade montou um plano de demissões voluntárias para cortar até 40% do seu pessoal e está fazendo um estudo para avaliar a venda de parte do patrimônio.

Pressão por nova taxa

O próximo passo é tentar ampliar a receita com campanha de filiação, mas na visão do secretário geral da CUT, Sérgio Nobre, só a criação da chamada taxa negocial pelo Congresso Nacional pode tirar os sindicatos do atoleiro. “O clima político não é favorável, mas estamos lutando por essa mudança”, afirma Nobre. A nova contribuição seria descontada após os acordos coletivos na medida em que o sindicato aprovasse um reajuste e cláusulas sociais.

A proposta também tem o apoio da Força Sindical. O secretário-geral da entidade, João Carlos Gonçalves, acredita que “se todos são beneficiados pelo acordo, todos devem fazer sua contribuição nas convenções coletivas”. Segundo ele, este ano a receita não passou de 10% do que antes era arrecadado, o que prejudica o poder de articulação política da organização. “Temos toda uma atividade política que é prejudicada , além da formação de quadros, da representação em Brasília, que ficam enfraquecidas”, diz Gonçalves.

O professor dos cursos de pós-graduação da Escola de Economia São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP-FGV) Renan Pieri entende que uma nova contribuição obrigatória, como a taxa negocial, pode melhorar a situação financeira dos sindicatos, mas não vai solucionar a crise. Para ele, as entidades precisam “mostrar serviço” para ganhar a simpatia e a colaboração dos trabalhadores, através principalmente de acordos mais vantajosos.

“O melhor caminho é focar mais nos resultados e nas questões trabalhistas. Os sindicatos têm que fazer um trabalho de relações públicas para atrair mais filiados, mas estão muito atrelados a uma militância de esquerda, o que incomoda parte de suas categorias”, afirma Pieri.

O presidente eleito do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades Sindicais do Rio de Janeiro (Sintesi-RJ), Paulo Sérgio Rodrigues de Araújo, critica o que chama de “acomodação” das entidades quando o imposto sindical era recolhido compulsoriamente. Sua organização trata os demais como patrões dos seus filiados e os acusa de também estarem se amparando na Reforma Trabalhista para demitir sem homologar no sindicato a que eles pertencem.

“Criou-se uma situação contraditória em que as entidades estão fazendo o que sempre condenaram. Isso não seria tão drástico se os sindicatos principalmente da iniciativa privada tivessem buscado outras fontes de arrecadação ao longo do tempo”, afirma Araújo.

A Federação Nacional dos Trabalhadores em Entidades Sindicais (Fites), que também engloba empregados de sindicatos patronais, fez um levantamento em meados deste ano e calculou em cerca de 6 mil as demissões ocorridas nos 24 meses anteriores na categoria. Apesar de não terem um dado mais atual, a entidade acredita que o número vem aumentando. O diretor de Política Sindical, Edilson Santos Severino, também critica a forma como foi desenvolvida a atividade sindical no Brasil. “Houve uma acomodação e não é à toa que vemos agora uma correria total”, ressalta ele.

Reportagem de Michel Alecrim; edição e pauta de Sabrina Lorenzi