O Sal da Terra. A expressão bíblica pode ter muitos significados. Um deles, o que dá vida. No caso do Norte Fluminense, porém, o sal está nas águas, contamina a terra e é uma ameaça à sobrevivência econômica da região em períodos de seca.

Na estiagem, o Rio Paraíba do Sul chega na foz de São João da Barra sem potência para rivalizar com o Atlântico, que invade seu leito por vários quilômetros, contaminando o lençol freático. Com a invasão do mar rio adentro, a cidade de Campos dos Goytacazes também sofre com a salinização.

A baixa vazão do Paraíba e a resultante salinização excessiva de suas águas e do lençol freático aleijou severamente a agricultura, dizimou o gado, afetou a pesca de subsistência e provocou o êxodo de pequenos produtores para os centros urbanos.

“Só em um ano, perdemos cerca de 50 cabeças de gado aqui”, conta Paulo Roberto Almeida, pecuarista no distrito de Santo Amaro, na Baixada Campista, referindo-se à seca de 2017. O distrito fica entre a margem direita do rio e a Praia do Farol, onde a salinização é mais crítica.

O Paraíba do Sul recebe o influxo de vários outros rios e veios nos 1.137 quilômetros que percorre entre São Paulo, Minas Gerais e Rio. Seu volume deveria superar em muito as necessidades do Norte Fluminense, onde culmina na foz de São João da Barra.

Foz do Rio Paraíba do Sul, no Norte Fluminense. Foto: Zig Koch / Banco de Imagens ANA

Com a estiagem recente e a baixa do Paraíba, os canais que levam água do rio ao litoral têm minguado em períodos secos, afetando a irrigação e a disponibilidade de água para o gado de toda a Baixada Campista. E o mar do Farol, sem oposição, penetra pelos veios e canais submersos.

“O gado sofre, perde peso, perde valor. As vacas abortam. Tudo fruto do consumo da água com muito sal”, faz coro o presidente do Sindicato Rural de Campos, Ronaldo Bartolomeu.

Os ataques ao longo de décadas, do homem ao Paraíba, que é o pilar da vida na planície goitacás, concorreram para produzir sete anos ininterruptos de uma seca que atingiu níveis inéditos e desestruturou o regime de chuvas e, por consequência, a bacia hidrográfica local.

“Caminhamos para uma situação de semiárido”, diz o historiador ambiental Arthur Soffiati, radicado há quase 40 anos em Campos. Ele acompanhou de perto as transformações no ecossistema da região e e suas consequências sobre o Rio. “É um processo demorado, mas já começou”.

Em São João da Barra, o abastecimento de água para a população precisou ser interrompido várias vezes por causa da salinização. Foi necessário decretar situação de emergência, assim como em municípios vizinhos em 2017.

A prefeitura da cidade garante ter controlado o problema. A promessa é de obras de desobstrução de dos canais, aumentando a vazão. Os grandes prejuízos são encontrados na agricultura.

“Crio gado e cavalos aqui há mais de 20 anos. Nunca vi um período de estiagem assim”, ressalta Almeida. “Os fazendeiros tirando dinheiro do próprio bolso para pagar a limpeza dos riachos.” Também seria preciso consertar as comportas que barram a água do mar no Farol, que estão danificadas há um bom tempo.

Como forma de estabilizar esse quadro e tentar revertê-lo foi criado o Comitê do Baixo Paraíba do Sul, órgão representativo formado pelo governo, sociedade civil e usuários da água. O comitê apoia financeiramente 15 projetos de pesquisa que buscam identificar os pontos mais críticos e estabelecer planos de ação.

Além das questões ambientais e climáticas, dois episódios foram decisivos para a situação que levou vários municípios da região a declarar estado de emergência.

Na década de 1950 foi feita uma mudança de curso do Paraíba para alimentar a bacia do Rio Guandu, principal fonte de abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro. E, no início de 2018, houve um desvio para o sistema Cantareira, com o objetivo de socorrer São Paulo de sua crise hídrica, iniciada em 2014.

“Com essas alterações no curso do rio, chega para nós menos de um terço do que seria o normal”, destaca Soffiati. “Assim nós temos dois rios Paraíbas. Um que chega até o Guandu com muita força, e o outro que vem de lá até a foz, muito mais fragilizado.” Some-se a isso os anos de dura estiagem e o processo gradativo de assoreamento pelo desmatamento das margens e pelo mau uso do solo pela agricultura.

Em 2018, as chuvas foram generosas, o que ajudou a aliviar a situação. Mas o nível do Paraíba do Sul, no centro da cidade, esteve abaixo da média ao longo do ano, devido à severa estiagem que não permitiu a regularização das áreas de recarga das nascentes.

“A questão do saneamento básico é crucial. Tem cidade de Minas Gerais, por exemplo, que tem 600 mil habitantes, e apenas 10% do seu esgoto coletado é tratado. Hoje, em Campos, temos quase 500 mil habitantes e 96% do nosso esgoto coletado é tratado — informou o secretário de Desenvolvimento Ambiental, Leonardo Barreto.