Antes de privatizar empresas de energia, o governo precisa mensurar o impacto das mudanças climáticas e do aumento da irrigação sobre a disponibilidade de água para geração elétrica. Caso contrário, o consumidor brasileiro poderá pagar pela alta nas tarifas decorrentes de períodos de seca e baixa vazão dos reservatórios, especialmente na bacia do São Francisco, alerta o diretor-executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão.

As limitações da oferta de água na bacia do São Francisco podem encarecer o preço da energia – e o orçamento do consumidor final se não houver uma atualização nos métodos de aferição das vazões dos recursos hídricos das usinas do sistema Chesf.

Encomendado pelo Instituto Escolhas, o estudo “Setor elétrico: como precificar a água em um cenário de escassez?”, pesquisadores da consultoria PSR analisam a alocação da água entre diversos usos, considerando sua disponibilidade nas bacias hidrográficas e os impactos sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Linhas de transmissão de energia, energia elétrica.

Linhas de transmissão do sistema Eletrobras Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Na bacia do rio São Francisco, a retirada de água para irrigação cresceu 593% nos últimos 30 anos.

E o nível de energia armazenada no Nordeste encolheu de 85% para 5% em apenas três anos, durante período de forte estiagem.

O relatório obtido pela Agência Nossa, ainda em fase de elaboração final, informa que o Operador Nacional do Sistema, “preocupado com a operação desses reservatórios fez recentemente um excelente trabalho de investigação”. As bacias localizadas nas regiões centrais do Brasil nos últimos cinco anos tiveram vazões médias cerca de 50% da vazão média de longo termo.

O quadro crítico da bacia do Rio São Francisco também é observado nas bacias vizinhas.

Enquanto isso, as bacias da região Sul têm experimentado aumento de vazões. E na Amazônia têm estado dentro da média esperada.

Por isso, no caso das usinas hidrelétricas do São Francisco, Leitão sugere a atualização das estimativas de volumes de água para geração elétrica.

“Os instrumentos de aferição não estão atualizados e a conta está sendo mascarada”, questiona.

Com base no estudo, Leitão aponta para um prejuízo de até R$ 2,5 bilhões por ano decorrentes de baixas vazões em caso de possíveis crises hídricas.

“Esse custo está ficando muito alto … Quem vai pagar essa conta? Esta pergunta deve ser feita antes de privatizar (a Chesf)”.

A privatização da Eletrobras, controlada da Chesf, é uma das vendas que o governo atual planeja fazer.

Os autores do estudo defendem que as alterações climáticas verificadas principalmente nas bacias da região Nordeste mostraram a importâncias de uma melhor gestão dos recursos hídricos para atender os diversos usos da água, e manter a qualidade ambiental das bacias hidrográficas.

“Uma ação conjunta realizada pela ONS, ANA e IBAMA, evitou o esvaziamento dos reservatórios de Sobradinho e Três Marias. No caso da UHE Sobradinho a geração de energia elétrica foi reduzida de forma a manter uma vazão mínima no rio. Mesmo assim a restrição ambiental que havia para manter no mínimo teve que ser progressivamente reduzida de 1300m3/s para 550 m3/s para que fosse possível recuperar o volume do reservatório, garantindo ao mesmo tempo a geração de energia, os usos da água para abastecimento humano e irrigação”.

Também sugerem que o processo de cadastramento de empreendimentos na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), fase que antecede os leilões, precisa dar mais atenção às outorgas de água. Além dos impactos na qualidade do ar e emissões, é preciso verificar a adequação da vazão outorgada.

“Não é apenas uma questão de custo e sim de disponibilidade (…) As agências e instituições têm que estar mais articuladas para evitar problemas de conflito de uso da água. Por exemplo, ANA, Aneel, EPE, ONS, secretarias de recursos hídricos e comitês de bacia. Como bem colocado no caso de novas termoelétricas, é preciso planejar o território ou bacia onde as usinas vão ser instaladas. Apenas situá-las perto do centro de carga para economizar transmissão não deveria ser a única preocupação dos investidores”.

Procurados, MME, ONS e Aneel não se pronunciaram sobre o assunto até o fechamento desta reportagem.