Ao vencer as eleições americanas, o democrata Joe Biden impõe uma expressiva derrota para o governo brasileiro tanto na política como no comércio exterior. A única saída do presidente Bolsonaro para evitar prejuízo econômico a partir do próximo ano — sobretudo para exportadores e empregos gerados pelo setor exportador — será repensar a política ambiental e de relações exteriores, afirmam especialistas no tema ouvidos pela Agência Nossa.

A inércia e as ações atrasadas diante das queimadas na Amazônia em 2019 e dos incêndios devastadores no pantanal neste ano foram a gota d’água para uma série de protestos em todo o mundo, despertando investidores e governantes de diversas nações para um boicote a produtos brasileiros. Biden também entrou na lista de indignados e declarou abertamente que, caso vencesse as eleições, puniria o governo brasileiro se este mantiver sua política ambiental.

“Tem uma ala do Partido Democrata, encampada por líderes como Bernie Sanders e Ocasio-Cortez, tentando emplacar o plano de um Green New Deal* e o Biden sempre tentou ficar um pouco de fora disso. Mas, para travar o ímpeto dessa nova esquerda que está surgindo dentro do Partido Democrata, ele vai ter que dar uma pancadinha fora – e o lá fora é óbvio que vai ser o Bolsonaro”, afirma o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da (NPII) da FGV, Leonardo Paz.

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Se a situação do Brasil no cenário internacional já não era confortável, a insistência do presidente em se alinhar com o candidato reconhecidamente derrotado pelas autoridades americanas, reforça o isolamento do país no contexto geopolítico, na opinião dos especialistas.

“A melhor alternativa é fazer o que ele (Bolsonaro) não está fazendo: ser pragmático (…) tentar tomar uma medida ou outra na agenda ambiental para não se colocar como alvo (…) e aí ele começa devargazinho a se incluir”, acrescenta Paz.

Mas por enquanto não há sinal de que o presidente brasileiro seguirá no caminho pragmático. Pelo contrário, ao quebrar o silêncio sobre Joe Biden, ele ameaçou  responder com “pólvora” às eventuais sanções comerciais do novo governante americano em relação à Amazônia.

Sem citar o nome do democrata – e aproveitando para demarcar alinhamento com a narrativa trumpista de que o pleito não acabou – Bolsonaro declarou:

Pólvora

“Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizer que se eu não apagar o fogo da Amazônia levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto [Araújo, Ministro das Relações Exteriores] Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem”.

Para Pedro Brites, professor do departamento de Relações Internacionais da FGV-SP e doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS, o aprofundamento do isolamento geopolítico é o principal desafio do Brasil a nível internacional nesse momento. Ele explica que, além da figura importante do Trump, os outros aliados de que o governo brasileiro se aproximou nos últimos anos são países sem peso significante na cenário mundial, como Polônia e Hungria.

Por isso, ele considera que a vitória de Biden nos Estados Unidos representa grande derrota para o governo brasileiro, já que a construção de imagem e campanha que Bolsonaro fez para chegar à presidência da República se baseou na imagem e no discurso de Trump.

Biden ganhou de Trump nos principais colegiados eleitorais dos EUA. Foto: Divulgação

A grande proposta da campanha do Biden é retomar o multilateralismo como um dos pilares da atuação externa dos EUA e nesse sentido, se a gente olha pro Brasil, observamos que o governo vem adotando o caminho contrário. Com os EUA voltando a apostar no multilateralismo, principalmente tendo a agenda climática no centro da atuação, com certeza isso afeta muito a inserção internacional do Brasil. A não ser que haja uma reversão da política externa brasileira, o que não me parece exatamente o caso. E mesmo que ela aconteça, não vai ser no nível que o Brasil precisa”.

As consequências do isolamento já são visíveis. O acordo da União Europeia com o Mercosul segue estagnado por críticas de países europeus às políticas ambientais brasileiras. A fuga de capitais do país também é resultado da postura do governo, que não tem sido bem vista pelos investidores. De acordo com ex embaixador Michael McKinley, em transmissão ao vivo organizada pela Amcham (Câmara Americana de Comércio no Brasil), “desde o começo do ano, os fundos de investimento internacionais mandaram uma advertência ao Brasil sobre a preservação da Amazônia”.

Ataques ao maior parceiro

E, apesar da aproximação ideológica de seus atuais líderes, as relações comerciais com os Estados Unidos não têm favorecido o Brasil. Dados da Amcham apontam que as exportações brasileiras para os EUA caíram 31,5% no acumulado do ano até setembro, em relação ao mesmo período do ano passado. Com isso, o déficit até agora é de US$ 3,1 bilhões, e a projeção é de que até o final do ano, ele alcance o maior patamar dos últimos cinco ou seis anos.

Os motivos, segundo o relatório, seriam a crise impulsionada pela pandemia, a queda do preço de barril de petróleo e algumas restrições comerciais estadunidenses, resultado do protecionismo de Trump. Mesmo a China, principal parceira comercial do Brasil, já começa a construir alternativas de comércio bilateral ao Brasil no continente africano.

“A quantidade de importação que a China faz demora um tempo para que se consiga pensar em parceiros alternativos, não é uma coisa que se consegue mudar de um dia para o outro. Mas já vem aumentando, por exemplo, a importação chinesa dos países africanos, especialmente na Tanzânia. A China vem investindo para que a Tanzânia consiga produzir soja para ela comprar de lá”, conta Brites.

Na avaliação do professor, os posicionamentos políticos a nível mundial não tendem a gerar consequências de curto prazo no comércio exterior. Com exceção da guerra comercial EUA-China, o país asiático tende, em geral, a adotar uma política externa classificada por Brites como “parcimoniosa”: “ela [a China] ouve todos os discursos críticos e ofensivos que o Brasil em alguns momentos faz e absorve esse “golpe”, para ir trabalhando com o tempo. Ela vai trabalhando com a estratégia”.

* Nome dado em referência ao New Deal, programa implementado entre 1933-37 pelo então presidente dos EUA, Franklin Roosevelt para recuperar a economia norte-americana e auxiliar os prejudicados pela Grande Depressão  de 1929

Texto e reportagem de Ingrid Figueirêdo; coordenação e edição de Sabrina Lorenzi