A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) revelou à Agência Nossa que encontrou concentrações elevadas de quatro agrotóxicos nas águas superficiais do estado que não constam da lista obrigatória de monitoramento do Brasil. Foram detectadas quantidades que extrapolam limites definidos pelos Estados Unidos. Os excessos podem representar risco à vida aquática.

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“No caso de não existirem padrões nacionais para agrotóxicos, usamos referências internacionais, a exemplo dos valores ecotoxicológicos da Agência de Proteção Ambiental dos EUA”, afirmou o gerente da Divisão de Qualidade das Águas e do Solo da Cetesb, Fábio Moreno.

Moreno afirma que o inseticida chlorpyrifós e o fungicida trichlorfon extrapolaram os valores ecotoxicológicos da EPA em 2019.

Estudos associam elevadas concentrações de clorpirifós em água potável a doenças autoimunes e transtornos neurológicos. Doses altas de trichlorfon pode podem causar câncer e má formação fetal, segundo relatos na comunidade científica. Mas como os limites que foram excedidos se referem a impactos ao ecossistema, com amostras de água bruta e ainda não tratada, não necessariamente as concentrações poderão provocar males à saúde humana.

“A água que é distribuída à população é tratada, removendo grande parte dos contaminantes”, pondera o pesquisador. Segundo ele, a água tratada deve atender aos critérios de potabilidade do Ministério da Saúde, mesmo com níveis alterados nas amostras brutas.

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Também foi relatado a nossa reportagem níveis alterados nas águas de São Paulo, em 2018 e 2019, para as substâncias imidacloprido e o fipronil, inseticidas com potencial fatal para abelhas.

Mas a poluição das águas pelo esgoto preocupa mais os técnicos da Cetesb do que os agrotóxicos. Porque as análises de São Paulo não mostram níveis de substâncias que excedem os limites definidos pelos padrões brasileiros.

A Agência Nossa procurou a Cetesb e a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo para verificar ainda como são realizados os monitoramentos dos princípios ativos de agrotóxicos nas águas do estado, conforme previsto na regulamentação brasileira. Veja mais trechos da nossa apuração junto à Cetesb:

Do hall que a gente monitora de agrotóxicos e substâncias químicas, a gente nota uma presença maior de inseticidas, e de alguns herbicidas. Mas para se falar em contaminação precisaria existir uma ultrapassagem de um limite estabelecido por lei, a concentração de uma determinada substância, e isso a gente não verifica. Então a gente não pode dizer que está ocorrendo uma contaminação, isso falando das águas superficiais e das águas subterrâneas. O que gente observa é que certos agrotóxicos ocorrem em concentrações mais elevadas, e que essas concentrações não são contempladas pela legislação federal ou estadual.

Monitoramento mais amplo que o exigido
A resolução Conama 357/2005, isso para as águas superficiais é uma resolução em nível federal que estabelece os padrões de qualidade dos corpos d’água e as moléculas, os parâmetros de monitoramento em águas superficiais e estabelecem alguns agrotóxicos serem necessários, em si, monitorar. Então a gente monitora esses agrotóxicos. Mas essa resolução é de 2005, então a gente teve que atualizar esses tipos, essas moléculas de agrotóxicos porque o mercado se renova constantemente em relação ao lançamento de produtos agrotóxicos. Então a gente incorporou mais agrotóxicos a essa lista que foi aqueles que foram discutidos e investigados e levantados junto com a EMBRAPA, e aí a gente priorizou uma outra lista de agrotóxicos também, que são mais atualizados de acordo com os usos no estado de São Paulo.

Esgoto preocupa mais que agrotóxico
Para a gente, o que é mais preocupante é a presença de carga orgânica nos corpos d’água oriunda do lançamento de esgotos. Então, existe uma carga muito grande de esgotos que ainda não é tratada, no estado de São Paulo, que acaba nos corpos d’água, então isso é uma fonte de preocupação, tanto nas águas superficiais quanto nas águas subterrâneas. Isso é o que os nossos relatórios vêm apontando ao longo dos anos. A gente vem notando uma carga orgânica elevada nos corpos d’água recorrentes desses lançamento de esgotos que não passa pelas estações de tratamento de esgoto porque existe esse index saneamento, index de uma coleta e tratamento do esgoto.

Cetesb monitora águas superficiais e subterrâneas. Foto: Rio Pinheiros / Sabesp

 

Metodologia
Monitoramos os agrotóxicos nas redes de águas superficiais e subterrâneas. Nas águas superficiais (rios, lagos, lagoas) a gente começou a monitorar em 2011, e nas águas subterrâneas a gente começou em 2010. Com base em informações que a gente obteve num projeto que foi realizado em conjunto com a EMBRAPA. Monitoramos a água em 470 pontos em rios e monitoramos cerca de 300 poços de águas subterrâneas em vários municípios, em várias localidades. Mas, não é em todas as localidades que se tem condições de monitorar agrotóxicos, porque os agrotóxicos eles vão ocorrer nas áreas onde predomina o uso agrícola do solo. E com esse projeto, junto da EMBRAPA, a gente selecionou, basicamente, 23 pontos para monitoramento de agrotóxicos em águas superficiais e cerca de 109 pontos de águas subterrâneas. Nas águas superficiais a gente monitora de 4 a 7 vezes por ano, e nas águas subterrâneas a gente monitora 2 vezes por ano.

Pandemia
Em 2020 a situação piorou por causa da pandemia. Muitos funcionários tiveram que ficar em casa, não puderam sair a campo. Então a gente teve que se readaptar devido à pandemia, principalmente nos calendários de coleta, de forma que a pandemia foi o divisor na forma como a gente fazia monitoramento e da forma que a gente vem fazendo agora. Não que a gente tenha parado, a gente continuou fazendo o monitoramento de águas superficiais e águas subterrâneas mas com alguns ajustes que tem que ser obrigatoriamente implementados porque a pandemia, ou seja, a situação de afastamento social, distanciamento social, os níveis de classificação da pandemia no estado de São Paulo nos obrigam a fazer isso. Inclusive a gente continua monitorando com um menor número de pontos de águas subterrâneas mas com o mesmo número de pontos de águas superficiais, mas com uma frequência menor de monitoramento em razão desses motivos que a gente tem por conta da pandemia.

Áreas agrícolas
As áreas agrícolas não são fontes pontuais de poluição, então elas não entram na competência da CETESB no que se refere a ações de fiscalização e de licenciamento de fontes. No ponto de vista da CETESB, a gente atende o que é determinado por lei, que é a obrigação de realizar monitoramento, mas no que refere a questão da presença de agrotóxicos, que a gente vem observando em águas superficiais ou em águas subterrâneas, a gente tem pouca capacidade de ação na fiscalização e no controle, porque não é uma atribuição direta da CETESB. É uma ação que tem que ser estabelecida, por exemplo, pela secretaria de agricultura, não é a CETESB que tem essa competência.

Águas subterrâneas
A gerente de Águas Subterrâneas da CETESB, Rosângela Modesto, diz que no monitoramento executado pela Companhia em suas redes de águas subterrâneas são feitas análises de agrotóxico em água de poços que se encontram em áreas rurais ou próximas a elas e que, até o momento, foi identificada a presença de agrotóxicos em concentrações baixas, em casos isolados. Nas águas subterrâneas monitoradas pela Cetesb, foram quantificadas substâncias como alacloro e metalacloro, que possuem padrões nacionais de potabilidade, e tebutiuron e triclorfon, para as quais não há padrões nacionais de potabilidade. De 2018 a 2019, três amostras apresentaram alacloro e uma metalacloro, em concentrações 100 vezes menores que o padrão de potabilidade, ou seja, não apresentam risco à saúde humana. Tebutioron e triclorfon foram observados em apenas uma amostra cada em baixas concentrações. De qualquer forma é necessário acompanhar os resultados do monitoramento semestral para avaliar a recorrência dessas substâncias nas águas subterrâneas.

Matéria atualizada com links das reportagens em 05/04/2021