O Greenpeace alerta que o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental abre possibilidades para grandes desastres ambientais, além do impacto sem precedentes para terras indígenas e quilombolas.

O Senado acaba de aprovar requerimento para debater o PL em audiência pública, após sua passagem e aprovação relâmpago na Câmara dos Deputados.

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“Com a flexibilização que está colocada nesse texto, a gente pode esperar grandes desastres, corremos o risco de ter novos Brumadinhos acontecendo, risco de empreendimentos construídos muito próximos a unidades de conservação, terras indígenas, quilombolas, desconsiderando potenciais impactos dentro desses territórios, afirma Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace. A seguir a entrevista:

Agência Nossa: Qual o posicionamento do Greenpeace em relação ao projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental?
Luiza Lima: O Greenpeace não se opõe à existência de uma lei geral de licenciamento ambiental. Hoje, o licenciamento no Brasil está pulverizado, as regras estão pulverizadas em dezenas de normativas, outras leis… Então, há muito tempo há esse debate de criar uma lei que vá abarcar diretrizes gerais para atender a federação. O problema que a gente enxerga é com o tempo que foi aprovado na Câmara, no dia 13. Esse texto, que foi apresentado pelo relator Neri Geller, sem nenhum tipo de debate ou consulta à sociedade, foi apresentado 48h antes de ser votado. Muito pouco tempo pra que a gente pudesse analisar o conteúdo. Mas, ainda assim, com tempo suficiente para que doze cartas fossem enviadas ao Arthur Lira (presidente da Câmara), alertando e dando destaque para os pontos críticos do Projeto. O Arthur Lira desconsiderou esse chamado da sociedade, o projeto seguiu para a pauta do Plenário e foi aprovado com uma margem grande de votos. As questões principais que a gente enxerga, a problemática desse texto, é que ele flexibiliza e enfraquece o licenciamento ambiental a um ponto em que ele cumpre seu objetivo contrário. Ele é uma lei do não-licenciamento. O licenciamento vai virar a exceção, e não a regra. Esse projeto foi aprovado dessa forma.

Caso a lei seja sancionada como está, quais seriam os principais impactos?

O licenciamento ambiental é o principal instrumento para dar segurança aos mais diversos tipos de empreendimentos que operam no Brasil. Com a flexibilização que está colocada nesse texto, a gente pode esperar grandes desastres, corremos o risco de ter novos Brumadinhos acontecendo, a gente corre o risco de que empreendimentos sejam construídos muito próximos a unidades de conservação, Terras Indígenas, Quilombolas, desconsiderando potenciais impactos dentro desses territórios.

Essa versão do Projeto de Lei é a mais rejeitada publicamente, a que recebe mais críticas. Mesmo assim, foi aprovada na Câmara. Para o Greenpeace, o atual governo teve influência na decisão dos deputados?

O que a gente está vendo acontecer no momento é a boiada, que foi anunciada no ano passado pelo Salles (Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente), quando ele enxergou a pandemia como uma oportunidade de “passar essa boiada” e fazer as modificações de ordem infralegal em 2020. Hoje, o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional deram as mãos para que essas boiadas cheguem a um novo nível, que é o nível da desregulamentação da nossa legislação. O governo Bolsonaro nunca escondeu o seu interesse e suas ações com uma política completamente contrária ao meio ambiente e às pessoas, nesse aspecto socioambiental. E com a nova eleição das presidências das casas legislativas, tendo o presidente da Câmara (…) apoiado pelo presidente Bolsonaro, e na Câmara dos Deputados, o presidente em especial estar com vontade de avançar nos projetos que são prioritários pro governo e pra bancada ruralista, como o licenciamento, mas também outros, como os projetos que vão beneficiar a grilagem de terras, projetos relacionados à redução dos direitos indígenas e a abertura de seus territórios para a exploração econômica. Uma conjuntura política no momento que favorece a aprovação desses projetos. Porque esses deputados sentem que essa é a hora de avançar, que só agora eles seriam capazes de conseguir aprovar esses projetos, porque eles vão muito contra os direitos da sociedade. E eu digo isso porque agora, durante a pandemia, eles deveriam salvar vidas, reduzir o impacto da pandemia na vida das pessoas. Eles não deveriam estar aprovando projetos que vão nos levar a mais desgraças, para mais mortes, mais desmatamento, para nos tornar cada dia mais páreas ambientais no mundo.

Na pandemia, o funcionamento do Congresso Nacional está modificado, e a sociedade civil não consegue acompanhar os projetos e fazer recomendações devidas. A participação da sociedade está muito prejudicada. E eles têm conseguido aprovar os projetos com uma celeridade nunca antes vista. No mesmo dia da votação do licenciamento, ainda não havia várias dessas regras, mas eles conseguiram aprovar uma mudança no regimento em que a partir de 13 de maio seria possível aprovar, com ainda mais seguridade, os projetos, e com menos debate. Eles retiraram boa parte do chamado “Kit Obstrução”, que é um mecanismo utilizado pela oposição em geral para retardar a votação de matérias dando mais tempo pro debate sobre o tema. Dá o aprofundamento devido ao tema e dá sugestões para a melhoria desses textos. Eles retiraram tudo isso, então a expectativa deles é avançar em tudo que eles gostariam em termos de desregulamentação. É por isso que eles têm conseguido aprovar. O PL do licenciamento ambiental aprovado com essa ampla margem é um exemplo. A gente tem visto isso acontecendo em vários outros PL, de outras temáticas. Isso permite que insanidades e absurdos como a aprovação da pior versão do PL do licenciamento ambiental aconteça.

Se o projeto de lei for sancionado, existe alguma medida judicial que pode ser adotada?
Os juristas e advogados já identificam, notas técnicas nos apresentadas já apontam que o projeto pode ser considerado inconstitucional. Reduzir a proteção ao meio ambiente, algo que não pode ser feito de acordo com a Constituição. Não se pode fazer uma legislação que vá atrapalhá-la. Esse PL gera uma insegurança jurídica muito grande. Ele dá muita responsabilidade pro empreendedor, joga no colo dele muita parte do seu processo. Além de dar uma dispensa ampla de atividades que não precisam mais ser licenciadas, existe no texto um dispositivo que é o da licença por adesão e compromisso, que é um sistema de autodeclaração. É o próprio empreendedor que vai obter sua licença por conta própria. Esse é um problema pro próprio empreendedor, porque não vai ter regras claras de que tipo de análise e estudos prévios ele vai ter que fazer. Ele vai fazer tudo no escuro, vai obter uma licença; mas depois, se alguma fiscalização mostrar qualquer irregularidade, ele vai ser penalizado. Então será uma insegurança jurídica pros empreendedores e também uma guerra fiscal entre estados e municípios, porque o PL permite que estados e municípios determinem boa parte do que vai ser considerado licenciável ou não, que tipo de licenciamento, então, com isso, teremos o oposto do que a lei se propõe a fazer, que é dar diretrizes diretas. Ela vai criar uma diversidade de regramentos, cada lugar vai funcionar de um jeito, o que gera insegurança, e gera um movimento que a gente chama de guerra fiscal, em que um determinado estado ou município pode vir a enfraquecer suas regras de licenciamento para atrair empreendimentos pro seu território, e aí gerar insegurança jurídica, porque o MP, alguém pode vir e analisar que não há condições seguras para implantação do empreendimento, isso pode criar uma série de problemas. Se o PL for aprovado dessa forma, com certeza teremos recursos falando sobre sua inconstitucionalidade.
O Greenpeace vai participar da audiência pública?

Mais que uma audiência pública, é importante que o projeto tramite nas comissões, e que seja analisado de fato nessas comissões. Uma única audiência pública não garante um debate adequado e aprofundado. A gente participa de audiências públicas, mas se o Greenpeace vai participar dessa ou não, não é uma decisão tomada porque a audiência pública sequer foi marcada. Não há previsão. O que a gente defende no momento é mais que uma audiência pública; é que o PL tramite nas comissões.

Como o Greenpeace tem agido diante desses retrocessos, dessas medidas internas, que cada vez mais abrem caminho para a boiada passar?
A gente trabalha bastante em parceria com outras entidades. A gente vem denunciando severamente essas medidas e também estamos trazendo informação para a sociedade. No momento atual, é o que a gente consegue fazer; é o que a população pode fazer: acompanhar o que está acontecendo, se informar sobre o que está em jogo e pressionar. Disponibilizamos muitos materiais para que a sociedade possa pressionar os tomadores de decisão e representantes da sociedade, para que eles não tomem decisões que são contrárias ao interesse público. Acreditamos que esses representantes devem servir ao interesse público e da sociedade, da maioria, e não servir a interesses privados, de poucos, que vão prejudicar a muitos.

Texto e edição de Sabrina Lorenzi