O Brasil tem tido um papel fundamental para conter a derrocada da classe média na América Latina durante a pandemia. Cerca de 4,7 milhões de latino-americanos mergulharam na pobreza em 2020. O número teria sido muito pior se o Brasil não tivesse ajudado a manter 20 milhões de pessoas na classe média a partir do auxílio emergencial.

Se os dados do País fossem desconsiderados nas projeções do Banco Mundial, o total de pessoas que passaram da classe média para a pobreza na AL e Caribe seria de 12 milhões de habitantes. Contando com o Brasil nas estimativas, a projeção indicou pouco mais de um terço deste total caindo para a pobreza.

Responsável pelo declínio social na região da América Latina, a pandemia da COVID-19 reverteu décadas de ganhos sociais, de acordo com “A lenta ascensão e o declínio repentino da classe média na América Latina e no Caribe”, divulgado nesta quinta-feira pelo Banco Mundial.

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“A região da América Latina e do Caribe está em uma encruzilhada, e a reversão dos ganhos sociais duramente conquistados corre o risco de se tornar permanente, a menos que sejam feitas reformas ousadas”, declarou o vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, Carlos Felipe Jaramillo.

Com 42%, o Brasil responde pela maior parcela da classe média latino-americana. Mas a pobreza e a desigualdade cresceram no País durante a pandemia mesmo com o programa social.

Estabilidade em meio à desigualdade

Apesar da classe média conseguir se manter relativamente estável em 2020, a realidade da desigualdade no Brasil nunca esteve tão presente. O País, hoje, é o nono mais desigual do mundo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A sócia-empreendedora do grupo Anga&Din4mo Luana Gabriela ressalta a responsabilidade das empresas na concentração de renda e a necessidade de descentralização de ativos. “Vivemos hoje uma realidade de extremos. Durante essa pandemia, a gente teve um número elevado de novos milionários, bilionários, aqui no nosso País. Isso mostra que de fato a desigualdade está acentuada”.

“A gente precisa começar a falar mais disso, entender o nosso lugar nesse problema e nesse desafio. Se 1,15% do total de ativos que a gente tem no mundo fosse distribuído para, de fato, apoiar na resolução dos desafios dos 169 objetivos (de desenvolvimento sustentável) levantados pela ONU, nós conseguiríamos atingi-los”.

O grupo Anga&Din4mo é uma holding de serviços de implementação de cultura humanizada, capitalismo consciente e inclusão social.

“Temos o recurso e agora nos cabe conseguir levar isso pros lugares que realmente necessitam E, como organização, a gente precisa entender que cada vez que a gente olha para essa distribuição mais igualitária, distribuindo capital com colaboradores, a gente vai estar apoiando e contribuindo para que a desigualdade diminua no dia a dia”, ressalta Luana Gabriela.

Fila em agência bancária para recebimento do auxílio emergencial. Foto: Divulgação

“A assistência emergencial de transferência de renda, que ajudou a diminuir o impacto da pandemia, não será sustentável por muito tempo; assim, a região precisa avançar com políticas que garantam uma retomada sólida e propiciem um crescimento mais sustentado, resiliente e inclusivo que irá combater a pobreza e a desigualdade persistentes”, completa Jaramillo.

O Auxílio Emergencial foi planejado como um programa temporário e terminou em dezembro de 2020. No entanto, o Governo lançou uma nova leva em abril deste ano, com benefícios menores que visam cerca de 44 milhões de habitantes.

Vacinação

Em coletiva recente para jornalistas, o presidente do Banco Mundial, David Malpass, demonstrou preocupação com o desequilíbrio na vacinação mundo afora e com as desigualdades no acesso ao crédito bancário.

“A vacinação contra a COVID-19 é uma parte fundamental para a recuperação econômica da América Latina e do Caribe. O dinamismo dos Estados Unidos, ao criar mais mercados, também ajudará a região, uma vez que a AL possui alta capacidade para a produção de bens manufaturados. Atuamos na América Latina com programas de infraestrutura e previdência social, enquanto também nos disponibilizamos a conceder financiamentos aos países que necessitam de ajuda financeira.”

Classe média em ruínas

Para o Banco Mundial, a atual crise global deve resultar em um rápido declínio no tamanho da classe média na maioria dos países, tornando a América Latina e o Caribe novamente uma região de classe média majoritária. Em 2019, a América Latina era predominantemente uma região de classe média, com 38% de sua população, aproximadamente 230 milhões de pessoas, atingindo o status de classe média. No entanto, projeta-se que esse grupo socioeconômico tenha caído para 37,3% da população em 2020, resultando em uma perda líquida de 4,7 milhões de pessoas.

Sem medidas de mitigação, em particular sem as transferências de emergência do Brasil, as projeções sugerem que a pandemia global poderia ter resultado em mais de 20 milhões de pessoas perdendo o status de classe média.

Por outro lado, as transferências sociais em toda a região tiraram da pobreza 22 milhões de pessoas, das quais mais de 77% estavam no Brasil. A pobreza na região da ALC sem o País, no entanto, deve ter aumentado em 3 pontos percentuais entre 2019 e 2020, para um aumento líquido de quase 13,7 milhões de pessoas na pobreza.

A importância do Brasil é evidente tanto em sua participação na população total da região (quase 38%) quanto na população que vive na pobreza (quase metade da população total da ALC sob a Linha Internacional de Pobreza de US$1,90 por dia, 2011 PPP). Consequentemente, as mudanças na pobreza no agregado da ALC são impulsionadas principalmente por mudanças no Brasil.

Reagindo à crise

Quando a região estava apresentando um sinal de recuperação do período de estagnação, a crise da COVID-19 forçou as economias a fecharem. O PIB da América Latina e do Caribe deve reduzir 6,7% em 2020, tornando-se a recessão mais profunda da região, com diferenças significativas entre os países. O PIB do Brasil caiu 4,1%, enquanto o PIB da América Central deve contrair 6,1%. Da mesma forma, estima-se que a renda familiar per capita tenha diminuído 3,2% em 2020, segundo o relatório do Banco Mundial.

A maioria dos países da América Latina e do Caribe introduziu, adaptou ou expandiu seus programas de proteção social em resposta à COVID-19. No Brasil, o governo expandiu o programa Bolsa Família e implementou medidas emergenciais que atingiram quase 67 milhões de pessoas.

Da mesma forma, a maioria das nações aprovou empréstimos adicionais para apoiar os sistemas de saúde pública e fornecer apoio aos vulneráveis. A quantia varia de 1% do PIB no Uruguai e México a 11% no Brasil. Além disso, vários países prorrogaram os prazos de arquivamento de impostos e suspenderam temporariamente o pagamento pelas famílias para alguns serviços públicos (água, luz, telefone, internet). Em 2021, a economia da ALC deverá se recuperar, crescendo 4,4%.

Edição de Sabrina Lorenzi