Enquanto na Itália o Parlamento votou e aprovou, neste mês, emenda que estabelece que a partir de 2026 o sacrifício de pintinhos machos de um dia de vida será proibido no país, no Brasil, segundo ativistas da causa animal, a indústria agropecuária continua podendo cometer práticas cruéis contra animais, como a trituração, sem insensibilização, de pintinhos vivos logo após o seu nascimento.

Na Itália, a campanha de conscientização e relações governamentais realizada pela Animal Equality na Câmara dos Deputados conseguiu alcançar sua meta. Porém, aqui no Brasil uma campanha similar organizada pela ONG ainda recolhe assinaturas para conseguir pôr fim ao descarte de cerca de 84 milhões de pintinhos machos por ano, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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“A indústria só se mantém porque ela recebe subsídios governamentais, então o mínimo que ela pode fazer é respeitar as leis ambientais e respeitar o que já assegura a constituição, que é o respeito aos animais e a não prática de qualquer tipo de crueldade”, relata a diretora-executiva da Animal Equality Brasil, Carla Lettieri.

O relatório “Do Pasto ao Prato: Subsídios e Pegada Ambiental da Carne Bovina” do Instituto Escolhas  mostra que a média de subsídios anuais que o governo oferece para a indústria da carne, por exemplo, é de cerca de R$12,3 bilhões por ano. “E isso vem do nosso dinheiro, são impostos dos cidadãos”, completa Lettieri.

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Maus-tratos contra animais é um crime de acordo com o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais; o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira estabelece que cabe ao poder público e à toda sociedade “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.

Vale lembrar que a primeira norma brasileira a definir o que é crueldade, abuso e maus-tratos contra animais foi a Resolução nº 1.236, de 26 de outubro de 2018. A Resolução 1.236 visa auxiliar médicos veterinários e zootecnistas a caracterizarem um caso de maus-tratos e também serve de referência técnica-científica para decisões judiciais relacionadas aos maus-tratos praticados contra animais.

“Sugerimos a adoção de uma tecnologia que promova a sexagem no período de até 7 dias após o nascimento, porque assim o ovo pode ser ou descartado ou usado para indústria de ovos. Mas isso em um período em que o embrião ainda não está plenamente formado e ainda não tem todas as terminações nervosas que lhe permitem sentir dor. Consideramos que essa é uma solução muito mais humanitária do ponto de vista de preservar um animal de sentir dor e sofrimento”, afirma a diretora da Animal Equality, Carla Lettieri.

Para impedir a prática do descarte realizada no País, a Animal Equality está fazendo uma campanha pela aprovação do Projeto de Lei 1045/2015, que propõe a proibição da trituração de aves e encoraja a introdução de tecnologias capazes de evitar a morte sofrida desses animais.

Além da ação nacional, a Animal Equality Brasil participou da criação de um projeto de lei (PL), o PL 256/2021, que proíbe o descarte de pintinhos machos no estado de São Paulo, que é o maior produtor de ovos do País. O PL tem como autor o deputado Carlos Giannazi (PSOL/SP) e afirma que a prática de triturar vivos ou descartar por outros métodos cruéis os cerca de 25 milhões de pintinhos machos pela indústria paulista fera a vedação da crueldade animal prevista no art. 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal e o disposto no Artigo 32, da Lei nº 9.605/98.

Vacas prenhas são abatidas

A Animal Equality está fazendo também uma campanha para pedir ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a proibição do abate de vacas grávidas, que é outro exemplo de maus-tratos imposto pela indústria da proteína animal. Durante o abate, os bebês bezerros morrem por asfixia (hipóxia), porque é o oxigênio que a mãe respira que mantém o filhote vivo. Desta forma, os bezerros, ainda na barriga, podem sentir dor e sofrer durante a morte, pois eles não são insensibilizados.

O principal problema para as vacas gestantes está relacionado ao transporte. Elas são transportadas para o abatedouro em pé, sem espaço para sentar ou deitar, em caminhões lotados, sem ventilação adequada. Os animais ficam sem alimento e água por muitas horas devido às longas distâncias entre as fazendas e os frigoríficos. 

“O MAPA aprovou há pouco tempo a Resolução 365/2021 onde regulamenta essa prática, só que ele regulamenta com orientações tecnicamente muito inadequadas e inapropriadas, que geram um grande questionamento por parte de diversos especialistas. A Organização Mundial de Saúde Animal, a OIE, recomenda que nesses casos seja feito um teste de prenhez, que evita o transporte do animal e o sofrimento. Não é algo difícil de implementar, mas falta boa vontade”, declara a diretora da AE Brasil, Carla Lettieri.

A Agência Nossa procurou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que respondeu, em nota:

“A Portaria nº 365, que aprova o Regulamento Técnico de Manejo Pré-Abate e Abate Humanitário, atualiza as regras nacionais referentes ao tema, considerando a evolução do conhecimento científico e as recomendações estabelecidas no Código Sanitário para Animais Terrestres da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE).  A norma traz também a harmonização com as recomendações internacionais relativas ao manejo e abate de fêmeas gestantes, adequando aos procedimentos estabelecidos pelo documento da OIE, em seu Artigo 7.5.5

Atualmente, não existe nenhuma regra que proíba o transporte de fêmeas gestantes para o abate, em qualquer idade gestacional. Anteriormente à publicação da Portaria nº 365, não havia qualquer ato normativo que estabelecesse procedimentos de controle para evitar o sofrimento dos fetos de fêmeas gestantes abatidas.

Dessa forma, não havendo regras ou diretrizes que abordassem o manejo das fêmeas e tratamento dos fetos, o serviço oficial de inspeção ficava impedido de atuar em situações que, tecnicamente, caracterizassem o sofrimento desses animais, pois o abate das fêmeas gestantes e a manipulação dos fetos para obtenção de produtos não são atividades proibidas. Mas, com a nova legislação, passam a ter regras para resguardar os aspectos de bem-estar destes animais.

Especificamente em relação ao abate de fêmeas gestantes, a OIE não prevê a proibição do trânsito ou do abate desses animais, mas estabelece condições específicas para evitar a dor ou sofrimento tanto das fêmeas gestantes quanto dos fetos, que foram internalizadas pelo Mapa […].

A Portaria também estende a responsabilidade dos abatedouros quanto às garantias do bem-estar dos animais, que passa a iniciar no momento do embarque na propriedade rural de origem. A legislação anteriormente vigente (Decreto nº 30.691, de 29 de março de 1952, e Instrução Normativa SDA/MAPA nº 3, de 17 de janeiro de 2000) estabelecia a responsabilidade sobre os aspectos de bem-estar dos animais apenas a partir da chegada nos estabelecimentos, não contemplando, assim, a etapa de transporte. Diante da restrição, o serviço de inspeção não podia atuar administrativamente na fiscalização dos procedimentos de transporte, mesmo que constatadas falhas de bem-estar dos animais.”

Ato reuniu ativistas em SP

Um ato para celebrar o Dia Internacional dos Direitos Animais (DIDA) reuniu aproximadamente 30 ativistas na avenida Paulista no dia 12 de dezembro, dois dias depois do DIDA, criado pela ONG inglesa Uncaged em 1998. Vestidos de preto, os voluntários da Animal Equality, organização de defesa dos animais, exibiram fotos de animais que eles consideram como vítimas da indústria da carne, ovo e laticínio.

“Essa manifestação é realizada anualmente para lembrar à sociedade que ainda temos muito o que avançar para garantir aos animais direitos mínimos, como o de não ser submetido a maus-tratos, como assegura a Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, diz a diretora executiva da Animal Equality.